terça-feira, 18 de novembro de 2008

"Produtor cultural, um profissional necessário"

Qual visão tem um artista sobre um produtor cultural. Seria este apenas aquela pessoa que tem bons contatos e, quando isso é possível, arruma algum show para que se possa auferir algum dinheiro sobre a apresentação? Ou seria esse produtor um aproveitador dos excepcionais dotes artísticos de alguém que pretenda mostrar ao público o que ele é capaz de fazer na área dos espetáculos?
Para Synésio Gimenez Júnior , que há 35 anos dos seus 50 de vida milita nessa área, "o produtor é aquele que costura toda uma imensa colcha de retalhos que envolve uma produção, como o local, som, luz, cenários, arregimenta artistas, músicos e providencia tudo o que seja necessário para que o espetáculo aconteça. O produtor é o responsável por armar um grande quebra-cabeças", afirma esse profissional.

A arma principal

Tudo é muito complexo, mas existe algo que ele caracteriza como a arma principal de um produtor experimentado: a agenda de telefones. Esta deve estar sempre atualizada. "Deve-se estar permanentemente antenado com o que acontece e ter tudo sempre à mão, bons profissionais em cada área de atuação, como assessoria de imprensa, técnicos de som e luz, músicos, atores etc.
Deve-se igualmente estar atento a inovações tecnológicas, como em efeitos de luz, por exemplo. Ou como fazer chover, literalmente, num palco. Se ele não souber fazer, tem que descobrir quem o faça. De repente uma produção exige um realejo. O produtor vai ter que encontrar um, com periquito, bilhetes e tudo o que tiver direito. E você não encontra um realejo nas páginas amarelas", explica esse profissional.
Radialista e empresário artístico, além de produtor cultural, Synésio começou a trabalhar nessas áreas aos 15 anos, alugando teatros em nome de seu pai para fazer festivais de música, isso em plena vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5), durante o regime militar brasileiro. "Foi uma das minhas loucuras", sorri o empreendedor ao lembrar dessa época. Em 1982 ele foi para o trabalho em rádio; em 1984 fez na televisão o programa Papo & Repapo; e, em 1985, voltando ao rádio, o programa Movimento, que está no ar até hoje, completando 19 anos, entremeando esse espaço de tempo com produções de espetáculos diferenciados.
Complexidades de um espetáculo
Um show, por mais singelo que possa parecer, está repleto de complexidades. É o caso, por exemplo, de voz e violão. Pode parecer fácil, mas aí entram os detalhes como acústica local, luz e som "Tudo tem que funcionar em perfeita harmonia, pois em caso contrário a produção pode derrubar um espetáculo teoricamente fácil. Às vezes um detalhe põe por terra todo um esforço. Imagine um espaço pequeno num mês de verão, com calor de 27 ou 28 graus centígrados e luz forte. Nesse ambiente as cordas do violão podem começar a estourar e o produtor tem que pensar nisso. Cabe-lhe, então, ter providenciado antecipadamente cordas sobressalentes, pois corre-se o risco de terminar o show na segunda música", observa Synésio.
E não é apenas isso, observa também esse produtor baseado em São Paulo. "A água de beber de quem vai cantar pode ser gelada ou sem gelo? Com gás ou sem gás? E o som? Tem que existir uma harmonia perfeita. Há, ainda, a bilheteria, o bordereau se houver, pagamento do cachê, direitos autorais, Ordem dos Músicos do Brasil, o release para a imprensa, fotos, divulgação, ensaio. E na hora aprazada o técnico de som não aparece porque perdeu a hora de levantar. Uma lâmpada refletindo no violão vai incomodar quem estiver na primeira fila. Os discos para vender no final do show, quem vai vender e a que preço? Tudo isso faz parte do espetáculo e, quando se trata de mega-produção envolvendo muitos artistas, técnicos e público numeroso, aí é chumbo-grosso", observa Synésio, que passou por não poucas situações difíceis junto aos palcos.
"Depende muito do que o espetáculo exige, não há uma regra quanto a isso, sem se falar que existe o eterno problema de verbas. Dimensiona-se um trabalho para uma equipe de cinco pessoas, mas só há verba para duas. O que fazer então? É aquela velha história de se virar como charuto em boca de bêbado, não tem jeito", relata o produtor sobre esse aspecto das apresentações.


Estrelismo

Referindo-se aos artistas, Synésio observa que alguns são dificílimos de se lidar. "Existem mil fatores, como ego, vaidade, estrelismo, insegurança, educação e muitos outros mais. Geralmente, quando é assim, o artista mais atrapalha do que ajuda. Mas o produtor tem que aprender a lidar com isso. E também existe o problema do caráter do indivíduo. Mas isso não é só na classe artística. De qualquer forma, existem muitos artistas que levam suas carreiras a sério, são pontuais, responsáveis. Existe muita gente com quem se tem prazer em trabalhar."
Atualmente, é muito difícil promover um artista ou lançar alguém. "Os tempos românticos nos quais apenas o talento era suficiente, já se acabaram. Hoje, tudo gira em torno do maldito jabá. Tem-se que pagar para tocar sua música na rádio; para aparecer até no mais medíocre programa de TV; e, se quiser uma notinha num jornal, deve-se contar com o apoio de uma boa assessoria de imprensa, o que também custa dinheiro. Basta ver o que está fazendo sucesso hoje. Não fosse com o dinheiro investido pelas gravadoras em suas carreiras, a maioria dos atuais freqüentadores da mídia continuariam plantando tomates ou varrendo os estúdios", constata Synésio.

Roteiro dos iniciantes

Entretanto, apesar de todo esse cenário de dificuldades, quem pretender seguir sua carreira como artista e buscar o apoio de um produtor, segue um roteiro já consagrado.
"Normalmente - explica - isso acontece por indicação. É como um casamento: alguém apresenta, daí começa uma amizade, uma paquera... Mas sempre é conveniente que nenhum dos lados se deixe se levar pela paixão. É preciso tomar informações, saber o que o outro já fez, ter referências. E isso deve ser uma iniciativa de ambas as partes". Chegando-se a um acordo, o produtor pode estabelecer um percentual sobre o contrato ou bilheteria ou, ainda, determinar seu cachê. Depende de várias situações, não há uma regra sobre isso.
Não existe uma associação que congregue os produtores, bem como inexiste um código de ética redigido. "Contudo, o relacionamento entre os colegas produtores é bom, embora possa existir uma ou outra ovelha negra. E onde não existe?", indaga Synésio. Como a profissão não é regulamentada, aparecem muitos mágicos pelo caminho de um provável novo artista, que podem variar de um sobrinho, uma tia e até um ou uma amante", brinca o produtor, enfatizando que, de qualquer maneira, a experiência é fundamental para que esse profissional consiga obter êxito em sua carreira.

Visões conflitantes

Segundo Synésio, "o produtor é um profissional com uma visão de trabalho totalmente oposta a do artista. Ao artista cabe criar sua obra, seja ela qual for. O produtor é uma ferramenta fundamental para organizar sua vida, sua agenda, sua imagem no mercado e cuidar de todos os detalhes para que o artista se limite a apresentar seu trabalho da melhor forma possível."
É desgastante e praticamente impossível para o artista cuidar de tudo. Nos países mais desenvolvidos nenhum artista dá um passo sem seu produtor, empresário ou agente. "A cultura tupiniquim ainda acha isso dispendioso. Ir ao dentista também é, mas você sabe que precisa ir e, quando não vai, à noite a dor se torna insuportável", acentua o produtor.
Tudo entre as duas partes interessadas deve ser estabelecido através de contrato. Não há regras claras sobre isso. Tem-se que se sentar, conversar, acertar, redigir e registrar. Não existe outro meio. E se um artista ganha notoriedade e for convidado para ir ao Exterior o que acontece nesse caso? Normalmente, relata Synésio, o produtor brasileiro se associa a um colega local. Cada mercado tem suas regras, seus caminhos. Ao produtor nacional cabe sacramentar esse casamento e garantir sua parte.

Mercado brasileiro

Há que se entender o que está acontecendo no mercado artístico brasileiro para se imaginar um caminho rumo ao sucesso. Para Synésio, existe o mercado da mídia, descartável, feito para consumo imediato. "Esse está complicado até porque a oferta é muito grande e o mercado encolheu com a crise que o país atravessa. O consumo de discos vem caindo com a pirataria e a mesmice das ofertas.", observa.
Porém, afirma o produtor, "existe um outro mercado, enorme, de portas abertas que passa à margem da mídia. Este vem crescendo de forma lenta, gradual, mas firme. Prova disso é a quantidade de discos independentes, o sucesso dos mais de 300 festivais de música que acontecem anualmente no país levando milhares de pessoas a esses eventos."A situação para a música popular, a clássica e o balé está muito difícil e o governo não adota providências para reverter esse quadro, diz esse profissional. É interessante observar que, se você quiser uma página sobre o carro nacional no jornal New York Times, isso não será possível. Entretanto, "podem-se contar nas edições desse diário norte-americano páginas e mais páginas sobre a música e o músico brasileiros".
Apesar de a realidade ser essa, observa Synésio, "nosso governo libera verbas astronômicas apenas para o cinema nacional e praticamente nada à área musical. Não tenho nada contra essa iniciativa, mas eu indago: quantos Oscars já conseguimos?"
Em contrapartida, o produtor lembra que já é em número avolumado os prêmios Grammy's de música atribuídos a brasileiros, sem apoio oficial. O primeiro foi em 1964 e de lá essa premiação não mais se interrompeu. No Exterior, todos conhecem o Brasil pelo futebol, pelo samba e a bossa nova. "E isso não é melhor explorado", acentua Synésio.
Nossa música, observa também, é um forte produto para exportação. "Nosso músico é respeitado nos quatro cantos do mundo tanto pelo talento quanto pela criatividade. A cultura gera 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Poderia gerar muito mais. E, no campo social, a música faz milagres nas favelas e em todos os guetos de violência. Isso está mais do que provado. Então, por que não levar música nas escolas e igualmente nas favelas e até presídios? Ou outros shows como concertos e apresentações de balé? Isso geraria muitos empregos para músicos, técnicos, produtores, além de cultura bem alicerçada" finaliza o produtor.